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O Homem Trocado

O Homem Trocado O homem acorda da anestesia e olha em volta. Ainda está na sala de recuperação. Há uma enfermeira do seu lado. Ele pergunta se foi tudo bem. - Tudo perfeito - diz a enfermeira, sorrindo. - Eu estava com medo desta operação… - Por quê? Não havia risco nenhum. - Comigo, sempre há risco. Minha vida tem sido uma série de enganos… E conta que os enganos começaram com seu nascimento. Houve uma troca de bebês no berçário e ele foi criado até os dez anos por um casal de orientais, que nunca entenderam o fato de terem um filho claro com olhos redondos. Descoberto o erro, ele fora viver com seus verdadeiros pais. Ou com sua verdadeira mãe, pois o pai abandonara a mulher depois que esta não soubera explicar o nascimento de um bebê chinês. - E o meu nome? Outro engano. - Seu nome não é Lírio? - Era para ser Lauro. Se enganaram no cartório e… Os enganos se sucediam. Na escola, vivia recebendo castigo pelo que não fazia. Fizera o vestibular com sucess
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Lembranças

Lembranças Julio Jacovenko, 2016 Hoje estava assistindo um documentário sobre vida selvagem em que comentavam sobre como alguns animais demarcam seus territórios e identificam seus pares pelo odor da urina, lembrei de uma passagem de infância de meu filho. Minha mulher estava fazendo a limpeza do banheiro e não estava muito contente com o trabalho, quando gritou lá de dentro: "Thiago eu já falei que é para fazer xixi dentro do vaso e não em volta." Ele estava comigo na sala vendo TV, quando na sua sapiência de 8 anos lascou (sussurrando): "Viu só pai, a mãe conhece a gente pelo cheiro do xixi!". Comecei a rir. As lembranças sempre aparecem sem pedir licença e nos levam numa viajem no tempo. Mas temos que tomar cuidado para não ficarmos presos no tempo. Lembranças são uma armadilha para nossos sentimentos, principalmente a saudade. Algumas pessoas se apegam de uma maneira tão profundo as lembranças que não querem retornar a sua realidad

A mulher do saco

A mulher do saco Julio Jacovenko, 2015 Estava sentando no bar, tomando minha cerveja e lendo meu jornal quando me aparece esta figura estranha. Ela puxa a cadeira, senta, pega meu copo com cerveja e começa a tomar sem cerimonia alguma. Fiquei ali parado sem reação. Sorveu calmamente o copo. Me olhou diretamente nos olhos e agradeceu. Ajeitou o saco preto (esses de lixo) que carregava para junto de si e me pediu um cigarro. E eu ainda entorpecido pelo ato. Nisso chega junto a mesa o garçom e ela calmamente pediu outro copo. Neste momento saí do meu estado catatônico e reagi. Parado aí, disse eu ao garçom. Não traz copo algum, eu nem conheço esta mulher. E a senhora queira se retirar da mesa. O sr. me desculpa, respondeu ele. E pediu para a mulher se retirar. A mulher era uma figura estranha. Cabelos de um branco amarelado, suja (soube depois que era moradora de rua) O saco que carregava, pelo que pude observar, estava cheio de latinhas e garrafas pet. Apos alguns segu

Pelo dia das Mães: Para Sempre

Para Sempre  Por que Deus permite que as mães vão-se embora? Mãe não tem limite, é tempo sem hora, luz que não apaga quando sopra o vento e chuva desaba, veludo escondido na pele enrugada, água pura, ar puro, puro pensamento. Morrer acontece com o que é breve e passa sem deixar vestígio. Mãe, na sua graça, é eternidade. Por que Deus se lembra — mistério profundo — de tirá-la um dia? Fosse eu Rei do Mundo, baixava uma lei: Mãe não morre nunca, mãe ficará sempre junto de seu filho e ele, velho embora, será pequenino feito grão de milho. Carlos Drummond de Andrade, in 'Lição de Coisas'

Pechada

O apelido foi instantâneo. No primeiro dia de aula, o aluno novo já estava sendo chamado de "Gaúcho". Porque era gaúcho. Recém-chegado do Rio Grande do Sul, com um sotaque carregado.  — Aí, Gaúcho!  — Fala, Gaúcho!  Perguntaram para a professora por que o Gaúcho falava diferente. A professora explicou que cada região tinha seu idioma, mas que as diferenças não eram tão grandes assim. Afinal, todos falavam português. Variava a pronúncia, mas a língua era uma só. E os alunos não achavam formidável que num país do tamanho do Brasil todos falassem a mesma língua, só com pequenas variações?  — Mas o Gaúcho fala "tu"! — disse o gordo Jorge, que era quem mais implicava com o novato.  — E fala certo — disse a professora. — Pode-se dizer "tu" e pode-se dizer "você". Os dois estão certos. Os dois são português.  O gordo Jorge fez cara de quem não se entregara.  Um dia o Gaúcho chegou tarde na aula e explicou para a professora o que acontecera.  — O pai at

Qualidades do Professor

Se há uma criatura que tenha necessidade de formar e manter constantemente firme uma personalidade segura e complexa, essa é o professor.  Destinado a pôr-se em contato com a infância e a adolescência, nas suas mais várias e incoerentes modalidades, tendo de compreender as inquietações da criança e do jovem, para bem os orientar e satisfazer sua vida, deve ser também um contínuo aperfeiçoamento, uma concentração permanente de energias que sirvam de base e assegurem a sua possibilidade, variando sobre si mesmo, chegar a apreender cada fenômeno circunstante, conciliando todos os desacordos aparentes, todas as variações humanas nessa visão total indispensável aos educadores.  É, certamente, uma grande obra chegar a consolidar-se numa personalidade assim. Ser ao mesmo tempo um resultado — como todos somos — da época, do meio, da família, com características próprias, enérgicas, pessoais, e poder ser o que é cada aluno, descer à sua alma, feita de mil complexidades, também, para se p